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sábado, março 06, 2004

Quem tem medo do lobo profissional? 

Era uma vez uma floresta maravilhosa. Era uma floresta tão maravilhosa, mas tão maravilhosa, que nela os animais viviam sempre em harmonia. Estes animais eram por demais curiosos: tudo em suas vidas gravitava em torno de um jogo de bola. É, eu sei, muito esquisito. Apesar de harmoniosa, ou talvez por isso, a floresta sofria uma pesada ação de uma tal de seleção natural. Não confundir com a seleção florestal, paixão suprema dos estranhos animais. Por meio da seleção natural, apenas os mais aptos ao jogo de bola sobreviviam. Bom, bola vai, bola vem, e de repente eis que temos apenas os porcos, isso mesmo, como os jogadores mais habilidosos. Nossos amigos suínos tiravam seu sustento do referido desporto. E como tiravam. Os mais talentosos recebiam incontáveis espigas para desfilar sua arte bizarra. Mas, como nem tudo era um lamaçal de rosas, habitavam a floresta alguns lobos cuja função no ecossistema era exatamente desviar nossos amigos porquinhos do sucesso profissional. Astutos, muitas vezes esses lobos se travestiam de sereias, enquanto em outras atuavam como aquele diabinho de desenho animado, sempre a soprar conselhos tentadores nos ouvidos dos porcos.

Corria o ano de 1989. Naquela época, calhou de a porca mais popular e a loba mais temível da floresta estarem prenhas ao mesmo tempo. Num capricho do destino, tanto a porca quanto a loba deram à luz sete lindos animaizinhos. Os porquinhos receberam os nomes de Djalminha, Marcelinho, Paulinho Nunes, Leonardinho, Junior Baianinho, Nelinho e Marquinhos. Já os lobos, como de praxe, não receberam nomes, uma vez que nomes identificam seres e quem leu as últimas 3 linhas do parágrafo anterior sabe que os lobos têm 1001 identidades. Por uma coincidência fortuita, os porquinhos rubro-negros eram assustadoramente talentosos. Como tratavam bem a tal da bola. Logo sua fama correu floresta adentro. Unidos, ganharam um torneio de cara. Eram bajulados, todos queriam estar com os porquinhos campeões. Alguns, talvez afoitos, diziam que logo os porquinhos estariam na seleção florestal e que ganhariam o campeonato interflorestal sem grande esforço. Sem grande esforço...sem grande esforço......

Como eu dizia, os porquinhos só faziam prosperar, meteoricamente. Como os porcos envelhecem mais rápido, logo viraram jovens e com hormônios de jovens viviam a farrear nos chiqueiros noturnos mais cobiçados da floresta. Só comiam no Porcão, onde eram servidas as melhores espigas da floresta. Diante de tal ameaça, os lobos se reuniram e decidiram, à sua maneira diabólica, destruir a promissora carreira dos porcos-craques. Desenhava-se ali uma ambiciosa e malévola estratégia. Caberia a cada lobo explorar a fraqueza de cada porquinho, num sistema de marcação individual. Para tal, todos os recursos seria legítimos.

Covarde, o primeiro lobo atacou o porquinho menos talentoso: Nelinho. Nélio era agora um porco quase maduro. Um porco malandro, de imenso potencial. Tão imenso quanto seu desapego à disciplina. Basicamente o lobo em questão minou a carreira de Nélio homeopaticamente. Como se diz no jargão suíno, deu corda para o coitado se enforcar. Um porquinho a menos.

Marquinhos batia na bola como poucos e tinha uma visão de jogo invejável. Os mesmos afoitos do segundo parágrafo o comparavam ao porcão Júnior, ídolo da porcada rubro-negra. Marquinhos era tão porco que até jogou numa outra equipe de porcos, na floresta de pedra. Pensando bem, Marquinhos não era tão porco assim. Tinha um quê de burro o menino. Sim, porque deu ouvidos ao lobo que lhe disse que, de tão talentoso, não precisaria treinar jamais. Quem não treina fica mais exposto a contusões. De tantas seguidas, não havia veterinário que deixasse o Marquinhos em condições de jogo. Caiu no ostracismo.

Quem não se lembra de Juninho baiano, o mais parrudo dos porquinhos? Aparentemente desengonçado, o Baiano chegou a ser artilheiro e cobrador oficial de pênaltis num conceituado clube. Chegou à seleção florestal e foi vice-campeão no interflorestas. Pena que era um porco com jeito de javali: selvagem, meio maluco. Chegou a ser alcunhado como “mau”, como se fora um lobo. Andou pelos chiqueiros da Alemanha, foi acusado de relacionar-se com um porco do mesmo macho e até na China desfilou suas bordoadas. Bordoadas que eram a tradução do vigor de um zagueiro intransponível, segundo o lobo que sempre acompanhou o JB. Tanto fez o menino que sua carreira acabou na lama. Hoje faz a alegria das hienas com suas trapalhadas de ex-jogador em atividade.

Alguém aí já ouviu falar de porco loiro? Pois é, Paulinho Nunes queria ser loiro. Chafurdou como quis nos pampas, brilhou entre os porcos da selva de pedra e foi campeão das florestas sul-americanas pelo escrete florestal. Paulinho estava cercado de porcos, mas um deles era um lobo. Logo seu melhor amigo. O perverso inflou o ego do porquinho a tal ponto que, da noite pro dia, seu talento se foi. Precocemente. Kaput! Hoje faz a alegria dos comentaristas nos quadros do gênero “por onde anda”.

Os afoitos, agora já íntimos nossos, eram viúvas do porco-rei, Zico. Queriam porque queriam que Marcelinho fosse o novo Zico. Apelidaram-no “patinha de anjo”, em alusão à maneira genial que sua patinha diminuta batia na bola. Um talento raríssimo. Mas foi como jogar pérolas aos porcos. Genioso, o ego de Marcelinho compensava o tamanho de suas patinhas. Poucos conseguiam entender um porco tão religioso e tão maquiavélico ao mesmo tempo. Ademais, sua gula por espigas era insaciável. Marcelinho era quase um lobo em pele de cordeiro. A tantas confusões não havia talento que resistisse. De ídolo no chiqueiro alvinegro, o suíno tornou-se uma praga aceita apenas no clube do maior lobo da floresta. Ao invés de Zico, Marcelinho chafurdou em petróleo e enegreceu sua carreira.

Djalminha fazia parte de um clã suíno, cresceu entre porcos divinos. Por sua maneira singular de jogar, era uma espécie em extinção e fazia a alegria dos nostálgicos. Semelhante ao nosso colega JB, Djalminha distribuía coices vez por outra. Seu lobo era o Animal, que em suas investidas boêmias fez o que podia para dinamitar o destino do nosso sexto craque rubro-negro desta fábula. Acontece que o talento do meia era tamanho que somente ele poderia optar pelo caminho do fracasso. E então o porco achou que tinha chifre e brincou de escorpião: a poucos dias do torneio interflorestal que consagraria seus pares disciplinados e profissionais, Djalma cometeu suicídio ao tentar desferir uma cabeçada em seu próprio treinador. Diante das câmeras. Indiretamente cedeu sua medalha de ouro ao porco Ricardinho, de talento muito menor e profissionalismo inversamente proporcional ao do Djalma.

Falando em talento, o leitor mais atento já percebeu que a fábula descreve os porquinhos em ordem crescente de habilidade. Mas, cá entre nós, seria Leonardo realmente o porquinho mais talentoso da ninhada? Não, claro que não. O tempo apenas mostrou que Leo era o patinho bonito da história. Poliglota, articulado, talentoso, disciplinado e acima de tudo profissional, Leonardo Nascimento do Araújo viu seus pares, um a um, naufragarem num mar de lama amador. Foi campeão júnior, regional, continental e interflorestal de clubes e seleções (OK, ponto pros afoitos). Não satisfeito, tornou-se o primeiro dirigente suíno na floresta mais competitiva do jogo de bola. Ué, mas e o lobo do Leonardo? Que fábula mais furada é essa? O lobo do Leonardo era uma loba. Na forma feminina, fez o que pôde para seduzir o porquinho. Tentou desviá-lo dos treinos, fazê-lo pedir dispensas suspeitas e até desferir cotoveladas em porquinhos ianques. Mas acabou apaixonada pelo suíno. Seguiu com ele para a floresta em forma de bota e lá rumou para floresta capital. Hoje, a pobre loba vê a equipe do nosso porco felino superar o time de seu coração partido. É, Leonardo não tinha espírito de porco.

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