<$BlogRSDUrl$>

quinta-feira, junho 30, 2005

Serpente insinuante ou marmota modorrenta? 

Muitos de nós crescemos ouvindo que há vários “brasis” dentro do Brasil. Na final da Copa das Confederações essa máxima se fez valer como poucas vezes. Sejam os privilegiados que acompanharam a partida ao vivo, possivelmente entre uma cerveja e um jogo de sinuca vespertino, sejam aqueles que gravaram a partida épica para assistir depois, todos devem estar se perguntando: qual o verdadeiro Escrete? Qual desses “brasis” dará as caras em solo germânico em 345 dias?

Muito se fala da insconstância de Parreria à frente da seleção – não conseguiu mais que 4 vitórias seguidas em mais de 100 jogos – mas ultimamente isso foi elevado à enésima potência. Afinal, o Brasil é a companhia de balé que trucidou o Paraguai, o bicho preguiça que foi massacrado no primeiro tempo contra a Argentina em Buenos Aires, o rolo compressor que ignorou a Grécia, a marmota modorrenta que implorou para perder do México, o conjunto experiente que eliminou a Alemanha em casa ou a serpente insinuante que deu 4 botes letais na (agora) segunda melhor seleção do planeta? Aos desavisados lembro que as 6 partidas acima mencionadas foram jogadas nas últimas 6 semanas. Como Fernando Pessoa, o time de Parreira tem múltiplas personalidades, no mais das vezes opostas.

Paulo Cesar Vasconcellos costuma estufar o peito e responder com prazer, quando diante de uma pergunta capciosa: “não sei”. Pois bem, essa é a resposta mais sensata para as indagações que cercam a partida de quarta passada: “não sei”. Não sei, não sei, não sei. Os experts de plantão já disseram que Parreira, agora genial, sanou o problema da bola aérea, pesadelo da zaga brasileira. Ora, um time que padece desse problema há pelo menos 3 anos descobriu a fórmula mágica em 3 dias? E como explicar que a marcação pressão, segunda maneira consagrada de bater os brasileiros, agora geniais, e justamente uma das especialidades portenhas, não tenha feito cócegas no exaurido selecionado tupiniquim? Eu pelo menos só tenho uma resposta: não sei. E é possivelmente a mais lógica, uma vez que falamos do mesmo time, com os mesmos jogadores, o mesmo técnico, o mesmo torneio, as mesmas desculpas, as mesmas genialidades. E tantas oscilações.

OK, a quem pede argumentos, podemos citá-los, insisto que em vão. Cicinho desabrochou e comprovou que é a melhor alternativa para Cafu. Adriano, o Vieri com suingue, ratificou ter o DNA da decisão, privilégio de poucos Romários e Ronaldos. No entanto, como pode o paladino do equilíbrio preferir dois centroavantes atuando juntos? Ficou nítido que Robinho pode ser genial, mas ainda precisa comer muito arroz com feijão para se destacar na Europa. Literalmente. Terá que ganhar massa muscular para sobreviver numa Champions League. Lúcio fez sua melhor partida desde 30 de junho de 2002 e Zé Roberto, provavelmente desde que nasceu. Até Emerson arriscou uma trivela, para se ver a que ponto chegamos. Mesmo aquele menino do Barcelona jogou direitinho. O tal quadrado esteve de fato mágico, construindo a vitória maiúscula sobre o tripé “proximidade-velocidade-viradas-de-jogo inteligentes”. Por fim, comprovou-se outro óbvio ululante: a seleção cresce sob pressão, de preferência em decisões e mais ainda quando é atacada, como se viu contra germânicos e platinos. Como não chuta de fora da área, não explora as laterais com inteligência e não sabe fazer jogadas aéreas, sofre contra as retrancas que conhecemos tão bem.

Mas será que essa equação se traduz em Brasil 4 x 1 Argentina? Não se quer aqui desmerecer a vitória do Escrete, muito pelo contrário. O Brasil impôs uma vitória maiúscula, inquestionável, acachapante. Humilhou seu maior rival de maneira categórica, como o dream team de basquete do passado e o Michael Schumacher de um passado nem tão passado assim. Foi épico, impiedoso, lírico. O homem tem o instinto de mistificar seu passado. Daqui a 30 anos Ronaldo será um Pelé, Roberto Carlos um Nilton Santos, Robinho um Garrincha e a partida de 29/06/2005 um dos maiores espetáculos de futebol arte de todos os tempos. E foi mesmo, pura magia, imortalizada nos 21 toques seguidos ao longo dos eternos 64 segundos que antecederam o quarto gol brasileiro. Foi provavelmente uma das 5 melhores atuações da seleção nos últimos 10 anos. Mas isso não quer dizer que o Brasil bateria as Ilhas Samoa, com 2 a menos, na próxima quarta-feira.

Ainda no embalo dos clichês, quem escapou da primeira frase desse texto certamente já ouviu falar que o Brasil é o país do futuro. Dentro do quadrado, agora genial, a média de idade é de 23 anos. A tendência é muito favorável ao Brasil. Mas para que serviram as tendências mesmo em 2002? O fato é que o formato da copa do mundo favorece o estilo de jogo da escola brasileira: improviso, detalhes, um torneio curto decidido com base no talento individual. E, cá entre nós, qual a probabilidade de Kaká, Ronaldinho, Robinho, Adriano e Ronaldo estarem todos mal num mesmo dia? Não sei.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?