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domingo, julho 24, 2005

1938: um mundial com cheiro de pólvora 

Para quem gosta de conjecturar e viajar pelo incerto mundo do “SE” 1938 é parada obrigatória. Afinal, SE a alternância de continentes tivesse sido seguida, o mundial teria sido disputado na casa da forte seleção argentina. E SE o genial técnico brasileiro Ademar Pimenta tivesse escalado Leônidas e o ótimo Tim na semifinal contra a Itália, ao invés de tê-los poupado para a final como declarou na época (imaginem Zagalo declarando em 98 que pouparia Rivaldo e Ronaldo para a final contra a França)? O mundial teria sido o mesmo SE a forte seleção austríaca não tivesse sido obrigada a se fundir com o time alemão? Bom, SE o clima entre austríacos e alemães não fosse insustentável, talvez a taça tivesse rumado para Berlim. Ora, e SE Picasso não tivesse precisado pintar Guernica e a Espanha tivesse disputado o Mundial? Por fim, possivelmente o maior SE relacionado a esse mundial: SE os campos de concentração não tivessem substituído os de futebol, portenhos seriam apenas bicampeões e italianos ostentariam apenas três estrelas na camisa hoje em dia?

Aterrisando no mundo real, o mundial foi jogado na França oficialmente devido aos custos de transporte na época, mas de fato devido ao prestígio (para alguns lobby) de um senhor chamado Jules Rimet, presidente da FIFA e da Federação francesa de futebol. Pela primeira vez o campeão e o dono da casa estavam pré-classifcados e pela primeira vez um selecionado conquistou duas copas seguidas (feito igualado apenas uma única vez), mantendo o ineditismo até hoje de ter o único técnico bicampeão, Vittorio Pozzo. E pela primeira vez o anfitrião não levou o caneco, com a derrota da democracia francesa para o fascismo italiano (a França teve que esperar 60 anos para se vingar da Itália, também nas quartas de final). Inglaterra, Uruguai e Argentina boicotaram o torneio, e o Brasil chegou forte pela primeira vez, simbolizado pelo Diamante Negro, artilheiro do Mundial e considerado por muitos o melhor atacante da era pré-segunda guerra. O leste europeu começava a mostrar sua cara, com Polônia e a então vice-campeã Tchecoslováquia sucumbindo diante do Brasil em partidas épicas, e uma Hungria forte conquistando seu primeiro vice-campeonato.

Entre mortos e feridos, a taça permaneceu em Roma, coroando a equipe mais forte do torneio, com a melhor estrutura (a Itália era a única a dispor de um avião para transportar sua equipe entre os jogos) e para quem futebol era questão de estado, transpondo a esfera do jogo para representar a superioridade de uma raça sob a batuta do Duce, que segundo se conta teria dado duas opções a seus atletas antes da final: vencer ou morrer. Melhor para Meazza, Piola, Colassi e cia. O que questionar em uma equipe que venceu todos os seus jogos? Após a conquista italiana, o mundo decidiu dançar no escuro, brincar de autodestruição e escrever os capítulos mais negros de sua história. Uma nova era se descortinaria em 24 de junho de 1950, em um novo palco chamado Maracanã.


György Sárosi – um doutor contra os fascistas

Com os momentos marcantes de sua vida sempre atrelados às grandes guerras, o destaque húngaro no mundial nasceu em Budapeste em 16 de setembro de 1912. Atacante habilidoso, logo chamou atenção pela rapidez de raciocínio. Construiu a carreira toda no Ferencvaros, mas foi na seleção magiar que demonstrou seus números mais impressionantes: em 2 mundiais disputou 5 partidas e foi às redes 6 vezes, sendo a mais importante delas aos 70 minutos da final contra a Itália. No total pelo selecionado húngaro, somou 42 gols em 61 jogos, números que impressionariam Puskas e companhia. Fez sua estréia aos 19 anos contra a Iugoslávia.


Os despretensiosos húngaros foram favorecidos pelo chaveamento no mundial da França. Mas o centroavante húngaro conduziu com estilo seus compatriotas à final, marcando em nada menos do que todos os jogos. Para começar, moleza contra o único representante asiático na copa, as Índias Holandesas. Sarosi não bobeou e anotou dois gols. Depois da vitória de 2 a 0 sobre a Suíça, com mais um gol dele, Gyorgy deixou mais um na semifinal contra a acovardada Suécia, no famoso jogo em que um ilustre corvo observou tudo de perto sem ser incomodado, mais precisamente do travessão do goleiro húngaro. Se este mesmo arqueiro, Szabo, se disse aliviado após ter indiretamente garantido a sobrevivência dos italianos, o mesmo não se pode dizer de Sarosi, que lutou em campo e marcou o segundo gol dos vice-campeões e equilibrando a partida em 2x3. Mas no final o centroavante de Mussolini, Piola, também com 5 gols no torneio, acabou levando a melhor. Como consolo, o craque húngaro hoje figura na seleção daquele mundial.

A eclosão da grande guerra encerrou precocemente a carreira internacional de Sarosi pela seleção, como a de tantos outros jogadores mágicos do período. Ele seguiu no Ferencvaros até 1948, encerrando a carreira de jogador com o respeitável número de 351 gols em 383 partidas disputadas. Penduradas as chuteiras, o craque integrou a revoada que fugiu do comunismo e foi tentar a vida na bota como técnico. Dirigiu com sucesso Bologna, Roma e Juventus (51-53), onde levantou o scudetto de 52. Conhecido como “doutor”, por seu diploma em direito e provavelmente por seu conhecimento dentro de campo, Sarosi permaneceu na Itália até falecer em Gênova, em 1993.

O azarão e o sortudo

Uma entrou no mundial após um show de desistências nas eliminatórias. A outra viu a vaga nas quartas de final cair em seu colo. Após o mundial, a história fez questão de dividir os dois países, seja na política, na economia ou no futebol. Suécia x Cuba protagonizaram a partida mais esdrúxula do mundial da França.

Com a desistência dos EUA, Cuba jogou seu primeiro e último mundial. Na já conhecida molecagem de estréia como azarão, aprontou pra cima da Romênia e surpreendeu a todos com a vitória de 2x1após um empate no primeiro jogo (tempo normal e prorrogação) em 3x3. A partida figura hoje em rankings como top 10 no quesito zebras. Mais curioso ainda é que no primeiro confronto o arqueiro cubano Carvajales foi considerado um dos destaques cubanos, mas no jogo extra simplesmente não atuou, porque foi convidado para comentar a partida para uma rádio e resolveu aceitar.

Já a Suécia se classificou “pelas vias normais” para o mundial. Mas com o Anchluss alemão, a Áustria, apontada como força para a Copa, “desistiu” de jogar o torneio e viu seus melhores atletas integrarem o selecionado germânico. Com 15 equipes participantes, um sortudo iria direto para as quartas de final. Coube aos suecos gozar desse privilégio após o sorteio realizado. Ou seja, a melhor palavra para definir o embate entre o maior azarão da copa e o time que recebeu o “bye” e ainda não estreara era “incógnita”.

Não podia dar outra e a bizarra partida teve o andamento de um jogo de prédio: 4 vira e 8 acaba. O massacre sueco foi liderado por Wetterström (4 gols, uma moda nesse mundial), Andersson e Nyberg, com dois gols cada. Um atônito Carvajales rezava pelo término do massacre, enquanto o técnico Tapia não sabia se ria ou se chorava.

Bom, após um placar desses a Suécia rumou impiedosa para o título, enquanto a sensação Cuba se firmou como uma força ascendente no futebol, afinal possuía muitos dos ingredientes que, segundo alguns, explicam a força da escola latina: miscigenação racial, suingue, clima propício, jogo de cintura. Certo? Mais ou menos. À Suécia coube ser goleada impiedosamente pela Hungria na semifinal por 5x1 de virada, no tal jogo assistido pelo corvo e na seqüência dar entrada na carteirinha de cliente preferencial do Brasil, após a goleada por 4x2 na decisão do terceiro lugar. Num olhar mais pragmático, a Suécia conquistou um honroso quarto lugar às custas de uma vitória apenas, e Cuba escreveu seu nome no livro das zebras ao ficar entre os oito primeiros em seu único mundial disputado. Dois feitos, não?
Hoje os países não poderiam estar mais distantes. No futebol, a Suécia se tornou uma força intermediária, acumulando um vice-campeonato (58) e 2 terceiros lugares (50 e 94). A curiosidade é que o Brasil, apesar de carrasco, esteve presente nos quatro melhores resultados suecos na história. Cuba até chegou a ser uma colônia soviética, digo, potência esportiva, mas ninguém encontrará a definição de copa do mundo no dicionário cubano. Fora das quatro linhas, a Suécia virou o exemplo bem sucedido de social democracia capitalista, enquanto os cubanos chafurdam na miséria resultante da promessa da sociedade perfeita.

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