<$BlogRSDUrl$>

segunda-feira, agosto 22, 2005

Nostalgia à flor da pele 

“Minha bola, minha vida” é um mergulho na era inocente, romântica e amadora do futebol brasileiro. O grande diferencial dessa biografia é exatamente o fato do autor ter sido um dos protagonistas dessa fase de ouro do futebol canarinho. Mais do que isso, Nilton Santos é exatamente o elo perdido entre o Brasil “vira-lata” do Maracanazzo e o Brasil hegemônico e bicampeão doze anos depois.

As 249 páginas podem ser lidas em um único dia, sem sacríficio. A Enciclopédia do futebol descreve sua longa e vitoriosa carreira de maneira simples, direta e até infantil. Infantilidade essa que, num aspecto positivo, confere verossimilhança à obra. Afinal de contas, o livro foi escrito por um jogador de futebol. O aspecto negativo é que quem espera ler uma enciclopédia irá fatalmente se frustrar. O texto é por vezes pobre, mal escrito, traz erros inacreditáveis e deixa a nítida impressão de que não foi sequer editado. Mesmo assim, é a biografia de uma lenda viva do futebol brasileiro e não há como não se encantar com as histórias narradas no livro.

Como era de se esperar de um autor que na época tinha 73 anos, o livro é pura nostalgia, mistificando o futebol malandro e semi-amador praticado nos anos 50 e 60. Comparar craques que iam treinar de bonde e assinavam contratos em branco com seus equivalentes atuais, aqueles que residem em palácios e dirigem Ferraris, é inevitável. Nilton resgata o romantismo de dirigentes como Carlito Rocha e revela episódios deliciosos, e por muitos desconhecidos, dos mundiais de 50, 54, 58 e 62. Destaque para um nova versão sobre o culpado no gol de Giggia no Maracanã, para a greve de fome de Didi na Suíça, o teste psicotécnico de Garrincha na Suécia e a invasão de Elza Soares no vestiário após a final contra os tchecos. Enriquece muito o convívio, por vezes íntimo, que Nilton manteve com feras como Zizinho, Julinho, Didi, Gerson, além de Pelé e principalmente Garrincha, a quem é dedicado um capítulo inteiro. É emocionante ler os bastidores do enterro da Alegria do Povo.

Dentro de sua simplicidade, Nilton Santos demonstra sabedoria ao refletir sobre a difilcudade de perceber o melhor momento para encerrar a carreira e esperteza ao deixar clara sua preocupação com o relacionamento com a mídia. Também fica patente a capacidade de manipular jogadores mais jovens e o próprio Mané, para quem lia as manchetes do jornal de maneira enviesada para motivar o craque analfabeto.

Na prática uma celebridade morre quando deixa de exercer a atividade que a consagrou e com Nilton não é diferente. Ele até tenta narrar episódios pós-encerramento da carreira, como a experiência como técnico e o trabalho com as crianças, mas aí é apenas um homem de carne e osso descrevendo atividades corriqueiras, sem a aura que cerca o mito.

É interessante viajar por um período em que quase a totalidade dos campeões mundiais atuava no Brasil e fomentavam a rivalidade entre os clubes, algo inimaginável hoje em dia. Além disso, a obra remete a uma fase dourada do futebol carioca, bem distante da realidade atual. A reflexão a que o livro nos leva é sobre a forte ação do tempo na construção de mitos. É evidente que o alcance da mídia atual é muito mais abrangente do que na época em que se amarrava cachorro com linguiça, o que dificulta a distância e a incerteza que alimentam o romatismo no qual floresce o mito. Mesmo assim, é curioso imaginar o papel, o peso e a dimensão que a história dará a figuras como Roberto Carlos, Ronaldo, Rivaldo e Romário daqui a 40 anos. Enfim, a obra transborda ternura e incentiva a reflexão, sendo uma boa pedida para uma leitura despretensiosa de domingo.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?