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segunda-feira, setembro 26, 2005

O farsante 

Seguiu o roteiro de uma criança brasileira típica. Filho de um pai fanático por futebol, teve direito a chuteirinha na porta do quarto na maternidade, camisa do time paterno em tamanho PPP e foi matriculado na escolinha de futebol do bairro aos 3 anos de idade. Como muitos de nós, nem teve tempo para se perguntar se realmente queria devotar corpo, mente e alma à paixão nacional. Foi simplesmente dragado pela inércia.

Uma vez feita a lavagem cerebral, Otavinho se apaixonou, também como tantos outros, pelo jogo. O futebol monopolizou o tempo livre do garoto: jogava no recreio, devorava livros e revistas, fazia fama no bafo, no pebolim e no botão, respirava futebol até durante seus sonhos. Por falar em sonho, ao perceber-se um talentoso ponta esquerda, deu vazão a mais um clichê. Isso mesmo que o leitor está pensando: Otavinho decidiu que quando crescesse seria jogador de futebol.

Ao completar 14 anos, foi levado pelo pai e pelo tio falastrão para o clube do bairro. Chegara o tão aguardado dia da peneira. Nos parcos minutos em que jogou, pouco produziu e não se destacou. Tio Egídio tentou persuadir o técnico, ao dizer que diante de todos estava um novo Denílson. Turrão, o “professor” disse que o menino poderia até ser craque, mas precisaria provar isso em campo. “Tentaremos de novo”, sentenciou titio após a frustrante tentativa. “Afinal, o Cafu foi reprovado 12 vezes no São Paulo e hoje é um pentacampeão do mundo”. Persistente e incentivado, Otavinho tentou exatas 36 vezes, sempre acompanhado do pai e do tio. Sempre rejeitado. Suspeitando que a pressão familiar o impedia de praticar a arte em sua plenitude, decidiu tentar uma 37ª vez, desta feita sozinho. Foi reprovado novamente.

- “Mãe, mãe, passei! Fui aceito no time, começo a treinar terça-feira!”

Aquilo soou como uma benção na casa de Otavinho. O pai chorou diversas vezes, o avô paterno sentiu uma pontada no coração ao saber. O tio esquecera Denílson e já falava em Canhoteiro. Incontáveis churrascos foram organizados para anunciar a boa nova, o garoto foi elevado à condição de herói familiar, o aniversário do irmão de Otavinho passou despercebido.

- “Quando poderemos assistir ao seu primeiro jogo, coração?” – perguntou a mãe, toda orgulhosa.

Surgia então o primeiro desconforto na família após o iluminado acontecimento. Amante fervoroso do futebol, o garoto lançou mão da famosa superstição que paira sobre o esporte para fazer um pedido. Disse que lamentava, mas, como só tinha sido aceito no time quando fez o teste sem a presença de nenhum conhecido, que jamais alguém poderia vê-lo treinar ou jogar pelo Grêmio Atanauense. Um balde de água fria caía na cabeça de todos os presentes. Apesar do choque, os familiares entenderam e respeitaram, muito a contragosto, o pedido de Otavinho.

O pai deixava e pegava o menino no campo da Atanauense para os treinos e jogos, sem jamais ter visto o garoto fazer um alongamento sequer. Por vezes o menino machucava a si mesmo para mostrar ao tio as marcas deixadas pelos impiedosos zagueiros adversários. Pela primeira vez na vida, Otavinho desenvolveu um outro hobbie: computação gráfica. Passou a editar um pseudo-jornal do bairro, cujas matérias e fotos sempre exaltavam o ponta-esquerda prodígio. Em casa, ele narrava partidas épicas para delírio da audiência estarrecida.

Em 6 meses deixou a escola, alegando incompatibilidade de horários com os treinos e jogos. Jamais prestou vestibular, mas garantiu um emprego como web master da agência de publicidade que atendia o partido político mais popular da região. O dinheiro recebido era mais do que compatível com os salários de um jogador profissional. Embora pouco convivesse com os colegas de trabalho, era ídolo também na agência, onde todos lamentavam nunca poder prestigiar Otavinho em ação pelo Atanauense.

O tempo passou e o menino já não era tão menino assim. Aos 20 anos enamorou-se de Isabela, filha do seu chefe, que por sua vez ficou maravilhado ao saber que sua guria queria se casar com o maior ponta da história do bairro. O editorial do tal jornal do bairro falava em tom de apreensão: a tensão com os preparativos para festa de casamento desconcentraria o craque? Otavinho continuaria decisivo mesmo depois de casado? E se ele se contundisse durante a lua de mel? Ganharia peso por morar agora com uma cozinheira de primeira?

Nenhuma profecia pessimista se concretizou. Pelo contrário: a morada dos pombinhos, inteiramente decorada com fotos, troféus e medalhas de Otavinho vestindo o manto Atanauense, recebia agora dois lindos gêmeos, decerto futuros craques. Os mais entusiasmados falavam até em dupla de ataque para 2025. Otavinho era agora celebridade. Chegou ao ponto de enfrentar problemas com paparazzis do bairro, conforme noticiado em primeira mão pelo respeitado periódico. Ninguém entendia como Real Madrid e Chelsea ainda não tinham descoberto o deus da ponta-esquerda. Ao mesmo tempo, família e amigos rezavam para que ele jamais deixasse o bairro que tantas alegrias tinha testemunhado.

Num domingo cinzento Otavinho chegou em casa após tomar o já tradicional banho no vestiário do Atanauense e percebeu que alguma coisa estava errada. Sempre que voltava de um jogo as crianças iam correndo recebê-lo no portão e saber quantos gols papai tinha feito. Dessa vez o silêncio torturava nosso craque. O frio na espinha se acentuava a cada passo dado em direção à porta. Ao entrar em casa, Otavinho deparou-se com a maior surpresa de sua carreira. Fotos rasgadas no chão, troféus partidos ao meio, o famoso jornal picotado em meio aos presentes. A mãe do craque, aos prantos, tentava acalmar as crianças desoladas. O pai e o tio, este já com falta de ar, davam água com açúcar para o avô. Em meio ao caos, havia um desconhecido sentado no meio da sala. Isabela, incrédula, finalmente deu fim àquele silêncio ensurdecedor que parecia ter durado 30 anos.

-“Otávio Luiz, quero lhe apresentar nosso novo vizinho. O nome dele é Mirandinha e ele é o ponta-esquerda titular do Atanauense há 10 anos.”

O mundo desabou sobre a cabeça de nosso herói. Cabisbaixo, viu os gêmeos rasgando as fotos do pai recebendo a coroa de “rei do bairro”. Um filme de terror passou-lhe pela mente e um vazio sem igual tomou conta do seu corpo. De algum lugar na vizinhança um violino perfurava sua alma. Sem poder fitar ninguém nos olhos, o craque subiu melancolicamente as escadas e foi para o quarto. Passados alguns instantes após o choque, tratou de pôr em uma mala apenas o suficiente, entre roupas e documentos. Com a agilidade com que passava pelos laterais adversários, fugiu de seu próprio palácio pela janela dos fundos. Rumou para o aeroporto.

Após aterrisar em seu destino final, Otavinho entrou em um táxi negro.

-“Veniste a Buenos Aires de vacaciones?“ – perguntou-lhe o simpático motorista.

- “No, soy el nuevo delantero de El Porvenir, equipo de la segunda división.”

quarta-feira, setembro 21, 2005

"Admirável mundo novo"- especial copa 58 

Quem assistiu ao filme “Feitiço do tempo” sabe que ficar parado no tempo pode ser um pesadelo. Mas pode também ser um sonho dourado, se estivermos falando dos brasileiros e se o ano escolhido for 1958. Em meio à euforia com o nascimento de uma tal de bossa nova, os brasileiros admiravam um presidente que fazia meio século acontecer em cinco aninhos e babavam diante de Adalgisa Colombo, quase miss universo. Nas horas vagas, brincavam inocentemente de bambolê, ouviam Roberto Carlos ao som do recém lançado radinho de pilha, vibravam com as conquistas de Maria Ester Bueno e Eder Jofre e se admiravam com “Eles não usam black tie”, de Gianfrancesco Guarnieri.

Ao redor do globo os “baby boomers” desbravavam um mundo definitivamente polarizado entre dois impérios. Duas potências que, não satisfeitas em reiventar a ordem geopolítca, resolveram também expandir as fronteiras do mundo conhecido. Os americanos lançaram seu primeiro satélite, o Explorer 1, ao passo que os soviéticos contra-atacaram com o Sputnik 3, primeiro laboratório instrumental no espaço. Descortinava-se um admirável mundo novo em plenos anos dourados.

Nem o mundo do futebol passou incólume. A neutra Suécia recebia um mundial que assistiria a uma substituição das forças hegemônicas. Entre os cartolas, o primeiro mundial sem Jules Rimet, falecido em 56, e com João Havelange, então presidente da CBD. Nas eliminatórias, Uruguai e Itália, detentores de quatro dos cinco torneios anteriores, ficaram de fora. A eles fizeram companhia Holanda e Espanha. A Argentina voltava a um mundial, enquanto a URSS estreava. Dentro de campo, a troca na guarda se completou com a despedida melancólica da destroçada Hungria.

No entanto, após tantas mudanças, o torneio transcorreu sem grandes zebras, com o atual campeão (Alemanha), a dona da casa (Suécia), o melhor ataque (França) e a melhor defesa (Brasil) chegando às semifinais. Após assistir aos favoritos unânimes sucumbirem em duas finais seguidas, o mundo finalmente voltou a ver o estilo mais vistoso triunfar. O Brasil de Didi, Garrincha e Nilton Santos deixou todos boquiabertos, apresentando um novo conceito de futebol e despedindo-se da pecha de vira-lata. De quebra, nascia também um rei, menino genial e chorão. Bipolarizado fora de campo, o planeta redesenhado estava agora também dividido entre duas superpotências hegemônicas no futebol: de 54 a 2002, Alemanha ou Brasil estiveram presentes em 12 das 13 finais.


O poderoso chefão

Responsável pela inacreditável derrota do tanque húngaro em 1954, ao anotar os dois últimos gols da final, Helmut Rahn voltou a aprontar em 1958. Este alemão, nascido em 16 de agosto de 1929, saiu de Essen para se tornar um ícone do dedicado, persistente e vencedor estilo germânico de jogar futebol. Não que não fosse talentoso, mas este craque acabou mesmo tendo sua carreira associada ao episódio em que a formiga que derrotou a cigarra magiar na Suíça.

Em um país destruído e dividido, Rahn iniciou sua carreira no Rot-Weiss Essen, clube que defendeu de 51 a 59 e pelo qual se sagrou campeão alemão (55) e da copa da Alemanha (53). Após uma temporada no Colônia, ele se transferiu para o Enschede, seu time até 63. “O chefe” como ficou conhecido em virtude da liderança natural exibida em campo, encerraria a carreira em 1965 pelo Meidericher, que posteriormente se tornou o Duisburg. Bem sucedido nos clubes por onde passou, Rahn brilhou mesmo na Nationalelf, cuja camisa vestiu por 40 vezes, anotando 21 gols. Sua estrela brilhava em mundiais: foi às redes 4 vezes na Suíça e fez 6 dos 12 gols alemães na copa da Suécia. 10 gols em 10 jogos em copas do mundo. Pendurou as chuteiras pela seleção em 1960, na vitória contra Portugal, quando novamente marcou.

Mas nem tudo foram flores na vida do autor do “milagre de Berna”. Após se tornar campeão mundial em 54, Rahn foi preso na Alemanha por ter dirigido embriagado. Tendo que enfrentar um árduo período no cárcere, ele ainda encontrou forças para ser convocado para o mundial da Suécia. Não decepcionou: vestindo a camisa 8, jogou todas as partidas como titular, fez gols contra Argentina (2), Tchecoslováquia, Irlanda do Norte, Iugoslávia e França, marcando em 5 dos 6 jogos. Conduziu a Alemanha ao quarto posto e garantiu lugar no panteão do futebol germânico.

O grande mérito de Rahn foi ter simbolicamente resgatado a esperança, o orgulho e a moral dos alemães em um período tão duro de sua história. Segundo Franz Beckenbauer, graças a ele “a Alemanha se tornou ‘alguém’ novamente, recuperando a autoconfiança perdida” após a derrota na segunda guerra mundial que acarretou o esfacelamento do país. Rahn se aposentou em 1965 e teve uma vida reclusa na sua Essen natal até agosto de 2003, quando faleceu às vésperas de completar 74 anos. Justamente nessa época três dos sobreviventes da conquista de 54, Horst Eckel, Ottmar Walter e Hans Schaefer foram à Suíça para conferir os preparativos das festividades de 50 anos do milagre de Berna. Os ex-comandados de Sepp Herberger visitaram o estádio daquela inesquecível final. Estádio este que, como a Alemanha de Rahn, passa agora por uma reconstrução.

Ascensão e queda em Halsingborg

"El fútbol argentino no necesita de los jugadores que están en el exterior" – sentenciou Raúl Colombo, presidente da AFA, durante a preparação da seleção portenha para o mundial da Suécia. Sim, naquela época já havia polêmica em torno da convocação e liberação dos jogadores que atuavam no exterior. A própria dona da casa qualificou como “mercenários” os atletas suecos que atuavam na Itália e disputaram a final contra o “doméstico” Brasil de Pelé.

No entanto, por que a Argentina, campeã sul-americana um ano antes, deveria temer o duelo contra uma renovada Tchecoslováquia? A empáfia, não pela primeira vez na história dos mundiais, foi o primeiro passo rumo ao fracasso. Embora já tivessem sido derrotados pelos alemães na estréia, os argentinos venceram os irlandeses na segunda partida e nem lhes passava pela cabeça ficar de fora logo na primeira fase. Afinal, os tchecos vinham de derrota para os mesmos irlandeses e empate diante dos alemães. Uma vitória magra encerraria a questão. Mas não foi bem isso que aconteceu.

Magro mesmo só o ataque da equipe treinada por Guillermo Stabile. Os 16.500 pagantes assistiram, em 15 de junho de 1958, à maior derrota argentina na história dos mundiais: 6 x 1, num clássico “vira 3, acaba 6”. Dvorak (2) e Zikan anotaram no primeiro tempo, Feureisl e Hovorka (2) jogaram a pá de cal na segunda etapa. Corbatta fez o gol de honra.

Incrédulos, os argentinos não sabiam explicar a derrota acachapante. O goleiro Carrizo chegou a afirmar que os argentinos viram a estréia contra a Alemanha como a final antecipada. Aos poucos, perceberam que a campanha na última Copa América, quando venceram todo mundo, só servira para iludir o time. O diagnóstico: o abismo na preparação física entre sul-americanos e europeus. De fato, os tchecos atropelaram seus rivais em campo. Os brasileiros ouviram teoria semelhante antes de enfrentar a URSS. A diferença foi o resultado da partida. Se fôlego fosse o problema, os comandados de Feola não poderiam ter feito 10 gols nos últimos dois jogos.


O plantel argentino era talentoso, mas quando percebeu já estava eliminado na primeira fase, tal qual como em 2002. A partir de então, a Argentina experimentou um período de mediocridade no âmbito internacional, tendo que esperar 20 anos para retomar sua tradição de grandeza. Já os tchecos fizeram de certa forma o caminho inverso. Vice-campeões em 34, passaram por uma entressafra, também morreram na primeira fase em 58, mas montaram a estrutura da boa equipe que seria novamente vice-campeã 4 anos depois, no Chile.

A imprensa local foi impiedosa com os sul-americanos. Após o massacre, o diário Sydsvenka Dagbladet afirmou que os argentinos se portaram de maneira covarde, embolando desordenadamente o jogo. O Halsingborgh chegou a dizer que era muito difícil acreditar que aquela equipe era campeã sul-americana, ao passo que o Dagens Nyheter concluiu que a defesa portenha simplesmente inexistia. Enfim, uma tarde infeliz, marcada para sempre na gloriosa história do futebol platino.



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CURIOSIDADES
Jejum de bola – os Irlandeses pediram à Fifa para não atuar nos domingos, pois era contra os princípios religiosos dos atletas. A entidade negou o pedido, alegando que isso afetaria toda a tabela do torneio. Resultado: os irlandeses afirmaram que a violação se daria caso jogassem em solo irlandês. Em solo sueco o pecado não seria assim tão capital
Quem reclamou dos estádios vazios na Coréia e no Japão deveria ter assistido Hungria e Gales em 58. Em protesto contra o assassinato do líder do movimento anti-soviético na Hungria, Imre Nagy, ocorrido na véspera da partida, os torcedores suecos boicotaram o jogo. Público pagante: 2823 testemunhas.
Xilindró – a equipe soviética foi temida e elogiada em 58. Mas poucos sabem que a performance da URSS poderia ter sido bem melhor. Eduard Anatolevic Strelzov, talentoso centroavante de 20 anos, não pôde jogar o mundial. O motivo? Eduard era amante da vida noturna, se enamorou da filha de um vice-ministro soviético e assistiu ao mundial da cadeia, onde permaneceu por 12 anos.
Outra seleção que poderia ter rendido mais, essa por um motivo triste, foi a Inglaterra. 4 meses antes do mundial, o avião do Manchester United caiu quando regressava de Munique. 8 jogadores morreram. Entre os sobreviventes, Bob Charlton, que levantaria a Copa do Mundo 8 anos depois.
A empáfia fez tabelinha com a desorganização (ou falta de) na preparação argentina para a copa. Os portenhos chegaram ao ponto de levar apenas um jogo de camisas para a Suécia. Logo no primeiro jogo, enfrentaram a Alemanha e tiveram que trocar de uniforme. Resultado: pediram um jogo de camisas amarelas a um time local e se trocaram ali mesmo, no campo.

* o 'loser' da Copa
O troféu fica mesmo com a Argentina. Campeã sul-americana, teve uma preparação turbulenta ao alimentar a polêmica sobre levar ou não os melhores jogadores, que atuavam na Itália. Ao chegar na Suécia, nem uniforme reserva tinham, desconheciam os adversários por acreditarem que o melhor futebol do mundo era jogado na Argentina e foram atropelados, técnica e fisicamente, ainda na primeira fase. Para piorar, sumiram do primeiro escalão do futebol mundial por 20 anos. Trágico para quem se julgava favorito para vencer a copa.

* o ilustre desconhecido
McParland – o irlandês fez 5 dos 6 gols de seu país, incluindo os dois que classificaram a equipe para as quartas de final no desempate contra Tchecoslováquia. Levou a Irlanda ao 7º lugar na classificação final, bem acima dos rivais ingleses, que amargaram a 12ª posição.

* a mutreta da Copa
Seria muito desagradável um sul-americano vencer um mundial em plena Europa. Talvez por isso a FIFA fez a gentileza de escalar o árbitro francês Maurice Guigue para apitar a final. Nada contra Guigue, considerado o melhor árbitro da copa. O único problema é que a França havia sido impiedosamente goleada pelo Brasil dias antes, na semifinal. No mínimo imprudente a escolha de um árbitro francês então.

* plataforma para o sucesso
Não podemos fugir de Edson Arantes do Nascimento. 17 anos, reserva até o terceiro jogo, pior salário entre os convocados por Feola, Pelé se contundiu contra o Corinthians antes do mundial e só foi convocado por insistência de Paulo Machado de Carvalho. Fez 6 gols em 4 jogos, ganhou três copas e se tornou o deus do futebol.

OU

URSS – os soviéticos estrearam em mundiais em 58. Logo eliminaram os ingleses, inventores do futebol, e pararam nas quartas diante dos donos da casa. Terminaram em 6º mas iniciaram um trajetória excelente nos 3 mundiais seguintes: 5º em 62; 4º em 66 e novamente 5º em 70.

* fim de uma era
A França teve o melhor ataque da competição, o artilheiro (Fontaine, 13 gols, recorde aparentemente imbatível), o craque da copa (Kopa foi o escolhido) e ainda outros feras como Piantoni. Foi considerada favorita ao lado do Brasil, com quem travou a final antecipada nas semis. Tinha tudo para se tornar um gigante do futebol, mas teve que aguardar 24 anos para voltar a ficar entre os 4, sendo que deixou de ir a 3 dos 5 mundiais nesse meio tempo. Nos dois que participou, pífios 13º (66) e 12º (78) lugares.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Aula de geometria - Brasil x Sevilha 

Milan x Haiti? Chelsea x Hong Kong? Real x Bolívia? Estes hipotéticos duelos poderiam responder à dúvida levantada sobre a utilidade da seleção brasileira jogar um amistoso contra um clube devido à qualidade técnica do adversário. Na realidade, deveríamos nos perguntar qual a utilidade da seleção brasileira jogar um amistoso, ponto. Contra o Sevilha, podemos especular que foram 3 os objetivos na cabeça do ofensivo Carlos Alberto Parreira: definir os lados ideais do quadrado mágico; testar o questionado sistema defensivo e por fim tirar uma ou outra dúvida sobre os últimos nomes da lista para o mundial.

Desde que o rolo compressor passou por cima do Chile no último domingo, começou-se a falar num tal de pentágono que subsituiria o quadrado, que por sua vez substituiu o triangulo anterior. A pergunta que não queria (e ainda não quer) calar é: quando tiver as 5 feras à disposição, qual Parreira porá no banco? O problema é que Ronaldo fez questão de manter o suspende no ar, afinal de contas teve um desconforto muscular e não estava à disposição do professor. Justo ele que é quem menos anda convencendo ultimamente.

As apostas sobre o lado do pentágono que sairá do time recaem sobre o Imperador e Robinho, a Alegria do povo. Justamente os dois que apresentam o futebol mais decisivo no momento. Olhando o presente, não faz sentido. Olhando o passado recente, faz todo o sentido, pois Ronaldo é um montro sagrado e o Gaúcho é o melhor do mundo. Kaká é café com leite, por seu estilo único e vertical de jogar que arrematou o cerébro e o coração de Parreira. Não sai do time nem se o Brasil for disputar um mundial de duplas apenas. Os indícios nos mostram que Parreira quer dois homens de área e nessa Robinho pedalaria rumo ao banco. Mas esse é o cenário de agosto/setembro de 2005. E se Robinho se entrosar magicamente com Ronaldo no Madrid? E se o lobby incansável pela titularidade do menino prodígio atingir níveis insuportáveis? E se a romântica tese do petágono ganhar força? Se forem os escolhidos, Robinho e Ronaldo Gaúcho precisarão tomar cuidado para ocuparem o mesmo lugar no espaço, pois quando o primeiro volta para buscar o jogo e o segundo atua avançado, eles tendem a se amontoar pela faixa esquerda do ataque. Quem ri de tudo isso é exatamente o anti-galático Émerson, o mais garantido de todos nessa história. Se por um lado a pergunta de 1 milhão de dólares tira o sono do técnico, ainda é melhor perdê-lo por ter que pôr Robinho ou Adriano no banco a perdê-lo pensando como neutralizá-los em uma eventual final de copa. Os dois não apenas seriam titulares em quaisquer outras seleções como seriam os melhores atacantes de qualquer concorrente brasileiro hoje.

Com relação ao teste para a defesa canarinho, o amistoso corroborou a superioridade de Juan sobre Roque Junior. No entanto, é sabido que o problema é menos individual e mais coletivo, um esquema aberto demais leva zagueiros de qualidades já duvidosas a um ataque de nervos. Sobre isso, temos duas considerações. Enquanto o time que amarra cachorro com linguiça pede o Pentágono, talvez o mais sensato fosse escalar dois volantes “leões-de-chácara”, Émerson e Edmílson, para proteger a defesa e liberar o quarteto fantástico. Isso a despeito do inegável dinamismo que Zé Roberto empresta à equipe. Nesse cenário o próprio Zé ou o quinto elemento entrariam durante uma partida em que o Brasil precisasse agilizar a saída de bola (Zé) ou agredir mais o adverário (Pentágono). A segunda consideração é que o quadrado, independente dos seus lados, modifica as características de jogo da equipe, uma vez que seus virtuoses forçam, por vezes em demasia, as tabelas no estilo “toco e me voy” pelo meio. Com isso, os laterais trintões têm subido bem menos e consequentemente a dupla de zaga fica menos desprotegida e o voltante menos exaurido. Quem viu Saviola e mesmo Luis Fabiano, agora um mero rabisco daquele que conhecemos, se divertindo nas costas da zaga brasileira há de concordar que um pouco mais de prudência não faria mal a ninguém.

O amistoso foi um pouco frustrante quando tentamos responder a terceira pergunta, referente aos nomes que faltam para fechar a lista. Quem conseguiu ficar acordado no segundo tempo percebeu que apenas Gustavo Nery e, em menor escala, Cicinho demonstraram o interesse que uma partida dessa natureza desperta em quem quer carimbar o passaporte para a Copa. Se no grupo titular as brigas se polarizam entre Robinho ou Adriano e Roque Junior ou Juan, entre os reservas a situação fica mais indefinida. Alex e Luisão brigam pela quarta vaga na zaga e nenhum dos dois progrediu no amistoso, continuando Luisão mais perto da vaga. Júlio Batista e sua versatilidade permanecem bem cotados pelo critério tático, mas se o viés for o critério técnico Alex pode ser o preferido. Ricardinho é outro xodó do técnico e está cada dia mais garantido. Se Edmílson se recuperar a tempo, pode ainda tomar a vaga de Gilberto Silva, que precisa mostrar mais bola. Por fim, a briga entre Gustavo Nery e Gilberto pela reserva de Roberto Carlos também não evoluiu após o empate na Espanha.

Ah, sim, o jogo. Após o frustrante corte de Ronaldo, em linhas gerais o jogo mostrou mais emoção do que se esperava no primeiro tempo e mais sonolência do que se previa no segundo, quando o Brasil B entrou em campo. De positivo, as tabelas insinuantes do quarteto na primeira metade do jogo. A segunda metade foi um alento aos insones, sem chutes a gol, sem chances criadas, sem a inspiração e motivação esperadas.

Em resumo, o grande dilema continua. O Brasil manterá o quadrado ou testará o audacioso pentágono? A briga pelas vagas é saudável e nivela por cima o futebol apresentado. Geometria à parte, acreditando que o campeão tende a ditar o modismo tático, podemos esperar que, caso a seleção vença a copa e se torne o Schumacher dos mundiais, poderá influenciar de maneira positiva o futebol. Isso porque propiciaria um possível retorno à era romântica e ofensiva que prevaleceu até meados dos anos 70. Comparando o que os principais oponentes têm apresentado com o futebol vistoso observado em vários dos 10 últimos jogos do Brasil, essa possbilidade se torna cada dia mais provável.

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