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domingo, setembro 07, 2008

A cigarra e a formiga 

Era uma vez um bosque em que conviviam pacificamente formigas e cigarras. As diferenças entre as duas espécies eram notórias e vinham de longa data, remontando a 1938. Reza a lenda que as cigarras, mais interessadas em cantar do que em planejar, perseguiram insanamente a vitória numa peleja ante os percevejos iugoslavos sem saber que o empate classificaria as duas equipes. Doze anos depois as cigarras hospedaram o torneio mais importante do bosque. Inspiradas, deram show, cantaram vitória antes da hora e foram surpreendidas pelos tatus uruguaios.
Em 1954 uma formiga de nome Helmut Rahn ensinou ao mundo o jeito formiga de ser. Iniciou o torneio na reserva, estreou com gol na vitória sobre os percevejos iugoslavos e marcou dois gols na virada contra os coelhos húngaros na final, os mesmos que haviam massacrado as formigas sem piedade na primeira fase. Mais formiga, impossível.
Curioso notar que o primeiro triunfo épico das cigarras, contra os alces suecos, se notabilizou por uma preparação formiguífera que pregava que a transpiração deveria prover as condições ideais para que inspiração prevalecesse. Claro que uma bobagem dessas não poderia durar muito e quatro anos depois as cigarras cantaram até que seu representante maior, Manuel Francisco dos Santos, fosse absolvido e pudesse cantar em paz na final em Santiago. Tamanha façanha fez com que a filosofia cigarreana lhes subisse à cabeça a tal ponto que 46 cigarras foram disputar, cantar e fracassar em bosques britânicos. Bosques estes que presenciaram mais uma vez a preparação coletiva das formigas, que por muito pouco não se tornaram rainhas da floresta pela segunda vez.
Foi então que os animais embarcaram numa arca, cruzaram o oceano e decidiram iniciar uma nova era, já que os bosques então estavam marcados por violência, pragmatismo e uma estética desagradável. Àquela altura o mundo precisava de cigarras e foi então que se deu o mais belo concerto de todos os tempos, conduzido pela Cigarra Rainha e presenciado de perto pela formiga Franz Anton e sua inesquecível tipóia. Afinal de contas, o verão mexicano foi feito para ser aproveitado. Mal sabiam as cigarras que seu modus operandi hibernaria pelos próximos 24 anos.
Franz Anton retornaria quatro anos depois para provar que a vida é feita de ciclos. Diante das cigarras laranjas mostrou que muitas vezes a transpiração sobrepõe-se à inspiração e que isso é tão legítimo quanto eficiente, palavrão no dicionário cigarrês. Nesta mesma estação nossas amigas cigarras sucumbiram às suas pares laranjas, pois acreditavam que estudar e se adaptar ao adversário era coisa pra formiga. E era mesmo.
Oito invernos se passaram até que a filosofia cigarreana sofresse um de seus mais duros baques. De um lado, cantaram maravilhosamente regidas pela Cigarra de Quintino até sucumbirem diante dos escorpiões azuis. Não bastasse isso, viu sua rival formiga iniciar um planejamento (outro palavrão para as cigarras) de oito anos que levaria Franz Anton novamente ao olimpo do bosque. O trauma ocorrido no bosque do Sarriá ensejou uma onda de debates entre as cigarras, tradicionalmente avessas a análises mais profundas. Colocou-se em xeque a utilidade do canto e enalteceu-se o valor do suor pragmático. A crise de identidade apenas prorrogou o ostracismo cigarreano. Enquanto isso, as formigas marchavam devagar e sempre rumo ao seu objetivo, lideradas pelo major Lothar. No ano da terceira conquista das formigas, as cigarras se descaracterizaram a tal ponto que entre cantar e marchar não fizeram nem um, nem outro.
A situação exigia medidas drásticas e a formiga Carlos Alberto foi contratada para formiguificar as indisciplinadas cigarras e mostrar que o canto é apenas um detalhe. É claro que 500 anos de cigarrice não se destroem da noite pro dia, daí a necessidade de se aguardar até a véspera do inverno para se convocar a cigarra redentora, também conhecida por Baixinha. A partir daí a cartilha pregava dez formigas gravitando em torno de uma cigarra. Combinação tão calculista quanto entediante que culminou na conquista mais formiga da história das cigarras. Na hora da farra, cigarra que se preza compra eletrônico para cigarrada toda e cigarreia a receita federal na volta pro bosque.
O destino havia sido tão caprichoso a ponto de nunca ter colocado as cigarras no caminho das formigas. Ocorre que este aguardado dia chegou. Fiéis à sua filosofia, as formigas vinham de vitórias suadas e fruto da dedicação coletiva. Já as cigarras estavam mais cigarras do que nunca, vivendo do improviso, do brilho individual e sambando entre uma conquista e outra. No dia em que Wagner enfrentou Tim Maia, Tião Macalé enganou Gutemberg, Jorge Ben fintou Nietzsche, o Cruzado Novo chapelou o Marco, o Pé-de-moleque entortou o Chucrute, Bezerra da Silva humilhou Einstein, a malemolência driblou o método, cruzou para Rivaldo, que com um corta-luz (sem correspondente no dicionário formigues) deixou Ronaldo, a cigarra fenomenal, livre para fulminar Kahn mostrar ao mundo que a formiga só trabalha porque não sabe cantar.

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