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sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Por uma cabeça 

Copacabana, 31 de dezembro de 1975. A espetacular queima de fogos deu início a uma animada festa de réveillon na orla carioca. Movido a muita sidra, o malandro Edevair encantou-se pela mulata Sonia no que não poderia ir além de uma fogosa noite de verão. Afinal, ambos eram casados. E não entre si.
Abençoada por São Murphy, Sonia engravidou. Nélio, o maridão, era só alegria. “Vai ser craque no Flamengo e jogar na seleção”. “Vira essa boca pra lá, jogador só quer saber de farra. Além disso, pode ser menina”, rebateu Sônia. Durante a gravidez, Sônia tinha pesadelos constantes sobre as feições do bebê, que guardava mórbida semelhança com Edevair. Tomada pela culpa e temendo que Nélio descobrisse a verdade, cogitou o aborto várias vezes, mas fraquejava ao pensar que o rebento nada tinha a ver com sua bebedeira em Copacabana. Depois de muito refletir, optou por uma saída intermediária.
Sônia alegou que precisava visitar a família em Curitiba no feriado de 7 de setembro. Com seu Flamengo na terceira fase do acirrado Brasileirão, Nélio recusou-se a ir. Ocorre que Sônia deveria ter retornado do Paraná no domingo, 12 de setembro, o que simplesmente nunca aconteceu. Praticamente foragida, Sônia escondeu-se em Foz do Iguaçú, aguardando o dia D. Confusa, não sabia ao certo o que fazer com o bebê na iminência de nascer. Eis que, no dia 22 de setembro, ela deu à luz um menino em pleno parque nacional de Foz do Iguaçú. Limpou o bebê e, inebriada pelo misto de desespero, agonia e dor, envolveu o menino num cobertor azul e amarelo, colocou-o num cestinho de palha e enviou-o cataratas abaixo. Findo seu plano perverso, voltou ao Rio de Janeiro e contou a Nélio a horrível história de como perdera o bebê.
Buenos Aires, 10 de outubro de 1976. Diego, 15 anos, descansava no porto após desfilar seu vistoso futebol em uma partida de futebol de salão. Distraído, fitava o horizonte, sonhando com o dia em que defenderia seu Boca Juniors, ficaria rico como jogador e ajudaria a família em dificuldades. De repente, ouviu um estranho barulho vindo da água e, para seu espanto, reconheceu um cestinho encalhado no píer. Dentro, um bebê urrava. Sem saber ao certo o que fazer, Diego recolheu o bebê e levou-o pra casa.
Aquele fato inusitado deixou a família de Diego dividida. Desesperada, dada o estado paupérrimo da família, a mãe quis enviar o novo visitante para o orfanato do bairro. Diego implorava para que bebê ficasse, alegando que seria rico o suficiente para cuidar de todos. A palavra final foi dada pelo pai. Envolto nas cores do Boca, o bebê era um sinal e não poderia ser abandonado novamente. Batizaram-no como Benjamin. 10 dias depois, Diego estrearia pelo Argentinos Juniors.
O ano seguinte foi muito feliz para a família. Enquanto Benjamin crescia forte, Diego ia muito bem no Argentinos e o Boca se sagrava campeão da Libertadores batendo o Cruzeiro na final. “Um dia, Diego e Benjamin jogarão no Boca”, vaticinava o papai Diego.
Assim como o irmão mais velho, Benjamin demonstrou imenso potencial para o futebol, ingressando no Boca em 1992, com os mesmos 15 anos de Diego em sua estréia. Benito, como ficou conhecido, explodiu ainda mais rápido que o irmão, sagrando-se artilheiro e campeão pelos Xeneizes no Apertura 92. Os mais ansiosos pediam Benito na seleção. À distância e deixando o purgatório, Diego atuava pelo Sevilha no que todos julgavam ser o ocaso de sua brilhante carreira.
Vieram as eliminatórias para a Copa-94 e eis que Diego ressurgia para salvar o país da humilhação diante da Austrália e garantir os portenhos no torneio ianque. Para surpresa de todos, no que muitos acreditam ter tido a influência da mão de Deus, a convocação final de Basile para a copa trouxe o nome do jovem Benjamin. Papai Diego não cabia em si de felicidade.
Veio o mundial e com ele a tragédia de Diego após o jogo com a Nigéria. Orfã de Maradona, a nação clamava por Benjamin contra a Romênia nas oitavas. Acreditando no poder dos laços familiares e na força da vingança, Basile escalou o adolescente. Não poderia ter havido escolha mais feliz. Como se jogasse na várzea bonairense, Benito anotou os 3 gols da vitória de 3x2, após os romenos estarem vencendo por 2x0. Após o resultado antológico, os argentinos, e Benito em especial, encheram-se de autoconfiança e atropelaram a Suécia nas quartas. 2x0, gols de Batistuta e Benito. A semifinal seria contra o Brasil de Romário.
Naquele que foi considerado um dos cinco maiores jogos da história das Copas e a verdadeira final do mundial, a Argentina bateu o Brasil por 4x3 na prorrogação, com três gols de Romário e quatro do menino prodígio Benjamin. “Fenômeno”, estampava o Clarin de 14 de julho de 94. Como quem bate ponto numa repartição pública, os portenhos venceram novamente o catenaccio, com gol de Benito, de novo na prorrogação. A Argentina era assim tricampeã do mundo, igualando-se a Brasil, Itália e Alemanha. O mundo custava a acreditar que da mesma casa tinham saído dois dos mais espetaculares jogadores que o planeta já conheceu.
A pobre Nigéria sucumbiria à vingança de Benito dois anos depois no mesmo solo, durante as Olimpíadas de Atenas que viram a Argentina sagrar-se campeã olímpica pela primeira vez. Naquele momento era impossível acreditar que a copa de 98 teria um campeão diferente.
Não foi tão fácil como todos imaginavam. Após um início claudicante, a Argentina de Bielsa e Benjamin perdeu da surpreendente Croácia na terceira rodada e classificou-se em segunda no grupo. Quis o destino que a adversária das oitavas fosse novamente a Romênia de Hagi. Inspirado, Benjamin liquidou a fatura num deja vu do duelo do Rose Bowl. A fácil vitória contra a decadente Alemanha nas quartas colocava a anfitriã França no caminho do tetracampeonato portenho.
O duelo contra Zidane foi dramático e a atuação de Benjamin no Stade de France, memorável. Assim como o irmão fizera com a Itália oito anos antes, Benito calava uma nação após uma partida de gala, que terminou em 2x2 e foi decidida nos pênaltis, quando Zizu, em inacreditável paradinha, desperdiçou sua penalidade para desespero dos gauleses. Destroçada, a Argentina enfrentaria novamente o Brasil, do agora veterano Romário, na finalíssima em Paris. Os portenhos levavam amplo favoritismo, enquanto o Brasil era duramente criticado por sua crônica incapacidade de renovação na posição de centroavante. Dependia, tristemente, de um atacante de 36 anos.
Muito se dizia que a inspiração e a regularidade impressionantes de Benjamin se deviam à sua paixão pela belíssima Suzana. “Cherchez la femme”, comentavam os franceses após caírem ante os gols de Benito. Pois bem, eis que, numa das mais controversas histórias do futebol, a fonte da fortaleza do semideus argentino tornou-se também a razão de sua destruição. Rezam as más línguas que Romário, conquistador inveterado, caiu nas graças da morena argentina e foi dela seu amante justamente na véspera da decisão da Copa. Pior: Benjamin teria flagrado o amor dois em pleno jardim de Luxemburgo.
Apático, Benito foi uma caricatura de si mesmo no Stade de France na noite de 12 de julho. 3x0 Brasil, três gols de cabeça do decrépito Romário. Brasil campeão do mundo depois de amargos 28 anos e Romário maior artilheiro de todas as copas, superando o mito argentino em um golzinho. Considerado um Messias em seu país e quase um quarentão, o Baixinho foi coroado o melhor do mundo.
Após o mais triste dos tangos, os portenhos esperavam que Benjamin se recuperasse e renascesse das cinzas para vingá-los em 2006. Ledo engano. O coração de El Nueve estava destroçado indefinidamente. Ao contrário dos livros e filmes, a vida real simplesmente não comporta tamanha reviravolta. Diego convocou os melhores psicólogos do mundo. Foram chamados ex-craques, treinadores-palestrantes pop stars da auto-ajuda corporativa, gurus indianos, macumbeiros brasileiros, curandeiros e casamenteiros. Tudo em vão. O Benito de 94 jazia ao lado da Torre Eiffel.
Quando o mundo pensava que o craque atingira o fundo do poço, Benjamin, outrora Fenômeno, contraiu o raríssimo Alfoorismo, doença perversa que aflige os viciados em alfajores. Aos 112 quilos, Benito ainda pode ser visto nos arredores da Bombonera, vagando melancolicamente como um zumbi.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

"O povo clama por você" - resenha DVD Chico 

Uma jóia rara. Assim pode ser definido o DVD número 8 da coleção, compilada em 2006, sobre a vida e obra de Chico Buarque. Aqui o futebol é o tema central, para honrar a paixão que o cantor, compositor, escritor de livros e peças de teatro, inventor de brinquedos, jogador e cartola nutre pelo esporte.
Tradicionalmente sisudo diante das câmeras, Chico se mostra extremamente à vontade enquanto discorre sobre suas memórias, sejam elas trágicas como as da Copa de 50 ou puramente nostálgicas como as relacionadas ao Fluminense, São Paulo ou Santos da sua infância. De acordo com Chico, “a vitória é uma grosseria”.
É interessantíssimo observar o amor que o cantor tem pelo clube que fundou, o famoso Politeama, originalmente um time de botão do compositor que, segundo ele, “evoluiu” para a forma humana para ter um campo (estádio Vinícius de Morais), calçada da fama e hino próprios, além de sustentar uma invencibilidade de quase 30 anos, de acordo com seu fundador, centroavante (`à la Hidegkuti`) e cartola-mor.
O DVD vale também pela interação do cantor com seus ídolos, apesar disso ocorrer de maneira bem distinta. Com Pagão nota-se uma relação de idolatria mesmo, com os olhos do cantor brilhando intensamente. Já com Ronaldinho percebe-se claramente que ambos estão desconfortáveis durante a filmagem, possivelmente pelo fato do Gaúcho não ser verdadeiramente um profundo admirador da obra de Chico e pela distância que separa as realidades do craque e do compositor. Com Pelé, em cenas memoráveis no final do DVD, salta aos olhos a amizade com Chico, o que deixa tudo mais espontâneo, seja no campo do Politeama, seja no estúdio em que os dois cantam juntos.
Outros pontos de destaque são as filmagens, com fotografia belíssima, em Lisboa, Budapeste, Barcelona e Paris e as cenas de dribles desconcertantes ao som de “Piruetas”. Afinal, como define Chico, “futebol é para humilhar”. Quem se aventura pelos Extras do DVD pode conferir fotos e entrevistas igualmente interessantes.
Em suma, o diferencial do DVD é combinar duas grandes paixões, futebol e música, utilizando a figura de uma lenda vida da cultura brasileira e através de um material tecnicamente bem executado. Vale a pena conferir.

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