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domingo, maio 30, 2010

Relembre o jogador - Zé Carlos 

Dunga foi generoso em sua convocação. Generoso com os cronistas de Trivela que escrevem para a seção “Relembre o jogador”. Afinal, não é difícil visualizar nestas páginas, dentro de alguns anos, um Relembre Michel Bastos, Relembre Felipe Melo, Relembre Josué ou Relebre Grafite. Bela safra pro “Relembre” esta de 2010, obrigado, professor.

Zagallo também fez sua parte e em 98 convocou Zé Carlos para a reserva de Cafu. “Ah, mas o Cafu tem quatro pulmões e leva poucos cartões, o reserva dele nunca jogaria de qualquer maneira”, pode pensar o leitor mais desavisado. Zé Carlos não só jogou, como o fez na semifinal da Copa diante da Holanda de Seedorf, Davids, Bergkamp e Kluivert. Atuação pra Galvão “Haja Coração” Bueno nenhum botar defeito.

José Carlos de Almeida é paulista de Presidente Bernardes e nasceu em 14 de novembro de 1968. Iniciou a carreira no São José-SP aos 21 anos. Do interior emigrou para a capital, onde defendeu o Nacional por duas temporadas. Na sequência, iniciou uma trajetória cigana, passando por São Caetano, Portuguesa, União São João, Juventude e Matonense, nunca ficando mais de um ano em cada equipe.

1997 foi um divisor de águas na carreira do atleta. Zé Carlos teve participação decisiva na campanha que resultou na promoção da Matonense da série B para a primeira divisão paulista. Atraiu a atenção do São Paulo e realmente não tinha ideia do que o aguardava. A bola de prata da revista Placar no mesmo ano era só o começo.

Comandado por Nelsinho Batista e ao lado de Raí(na final), França e Denílson, fez um excelente campeonato paulista em 98, conquistando o título e dando a impressão que poderia resolver a carência na reserva da lateral direita da seleção de Zagallo.

Mantendo a sina de Forest Gump, Zé Carlos estva no lugar certo na hora certa. Flávio Conceição, nome certo pro torneio, contundiu-se e o lateral tricolor foi convocado pro mundial sem ter atuado um minuto sequer pela seleção brasileira. Na época a convocação foi elogiada por parte da imprensa em virtude da versatilidade apresentada pelo jogador. De quebra levou a camisa 13, número predileto do velho lobo.

Zé Carlos fez as malas e embarcou para a França para juntar-se a Rivaldo, Roberto Carlos, Ronaldo e Bebeto. Boa praça, destacou-se nos treinamentos...como excepcional imitador de animais. Suas especialidades eram o papagaio e o galo. Nas horas vagas jogou futebol na semifinal da Copa, dia 7 de julho em Marselha contra a Holanda que havia eliminado a Argentina dias antes. Para quem morava e trabalhava em Matão um ano antes, a realidade tinha mudado bastante.

A atuação de Zé Carlos foi sofrível, assim como a de todo o sistema defensivo brasileiro. Envolvido pela movimentação constante de Zenden e Bergkamp, o lateral saiu atordoado de campo. Humilde, o jogador reconheceu que não foi bem, comemorou a classificação e lamentou o título perdido na final contra os donos da casa. A propósito, Zé Carlos era vizinho de quarto de Ronaldo na concentração e foi um dos primeiros a socorrer o atacante no lendário episódio da convulsão.

Terminada a copa, o lateral encerrou sua breve passagem pela seleção (2 jogos) e voltou ao São Paulo, onde permaneceu por mais uma temporada. No ano seguinte passou a vestir a camisa do Grêmio, que trocou pela da Ponte Preta, seguindo pro Joinvile até encerrar a carreira no Noroeste-SP em 2005.

Após pendurar as chuteiras, Zé Carlos voltou a Presidente Bernardes para ajudar na revelação de novos talentos. Atualmente mora em Osasco e trabalha num projeto social.

Os fãs de Trivela na Argentina deveriam guardar este texto. Vocês podem precisar dentro de alguns anos. Afinal, Diego Maradona convocou para a Copa Ariel Garcé, lateral de 30 anos do Colón, após uma exibição de gala num amistoso contra o Haiti. Se o raio cair duas vezes no mesmo continente, caberá a Garcé marcar Fernando Torres numa eventual semifinal, coincidentemente, no dia 7 de julho.

Zé Carlos


Data de Nascimento: 14/11/1968

Local de Nascimento: Presidente Bernardes-SP<>
Clubes que defendeu:

1990-1990: São José-SP

1991-1992: Nacional-SP

1993-1993: São Caetano-SP

1994-1994: Portuguesa-SP

1995-1995: União São João-SP

1996-1996: Juventude-RS

1997-1997: Matonense-SP

1997-1999: São Paulo

1999-1999:Grêmio

2000-2000: Ponte Preta-SP

2001-2001: Joinville-SC

2002-2002: Noroeste-SP

2002-2004: Joinville-SC

2005-2005: Noroeste-SP

Principais títulos:
- Campeão Paulista (1998)
- Campeão Gaúcho (1999)
- Campeão Catarinense (2001)

domingo, maio 23, 2010

O olheiro 

Craque desde o jardim da infância, Fábio era o orgulho do pai, que vivia cornetando no ouvido do vizinho palmeirense:”este moleque um dia vai brilhar no Timão”. Brilhar era de fato uma rotina na vida do menino. Craque da rua, melhor jogador do colégio, campeão interclubes, destaque em excursão fora do Brasil. Nada parecia intimidar o garoto que trazia confiança, força física e mental, habilidade e ambição na veia. Seu caminho já estava trilhado e a primeira peneira veio mais naturalmente que o primeiro fio de barba.

Quis o destino que o caminho de Fábio no vestibular da bola fosse mais tortuoso do que o esperado. Campo elameado, ligação direta defesa-ataque, e nada do habilidoso meia mostrar serviço. Tomou pau. Veio a segunda peneira e novamente o acaso lhe driblou, colocando um semi-Maradona para competir com ele pela mesma vaga.

Pensando em Cafu e suas dez tentativas, Fábio não esmoreceu. Perseverou e na terceira peneira veio a fatalidade: ligamento cruzado rompido. Duas cirurgias e dez meses de fisioterapia depois, o rapaz era apenas um mal acabado rabisco do craque que um dia fora. Pendurou as chuteiras que nunca calçou.

Ocorre que o rapaz estava tão obcecado com sua promissora carreira que ele simplesmente não tinha um plano B. Tinha deixado o colégio na 6ª séria e nem cogitava voltar a estudar, nao tinha a menor aptidão para qualquer outra atividade e, de quebra, tinha uma relação mal resolvida com o futebol que já beirava a fixação. Depois de muito pensar, decidiu ser olheiro e viajar pelo Brasil afora.

Arruinando talentos. Isso mesmo. Fábio passou a farejar talentos para literalmente perseguí-los e, por meio de conchavo, suborno, politicagem, sabotagem, difamação e outros expedientes da mesma nobreza, garantir que nenhum menino de talento fosse aprovado nas peneiras em que ele participava. Seus relatórios mais pareciam sentenças do julgamento final: “mascarado”, “franguinho”, “sem inteligência emocional”, “fominha”, “bichado”, “laranja podre”, “sem futuro”, “enganação”. Sua caneta cuspia sangue.

Depois de um certo tempo na profissão, Fábio construiu uma rede de contatos que lhe permitiu cobrir o Brasil inteiro. Tão logo soubesse de um craque em potencial, se deslocava o mais rápido possível para participar da peneira e vetar o jovem talento. Com isso, ganhou reputação de exigente e passou a ser requisitado. Arrogante, gostava de se gabar e a ele era atribuída uma espécie de seleção fúnebre: já havia vetado um “quase-Zico”, um “quase-Rivaldo”, um “quase Kaká”, entre outros quases. Comenta-se no Pará que sua vítima mais recente colocava o Paulo Henrique Ganso no bolso.

E foi justamente quando estava no Pará que ele recebeu uma ligação de um de seus inumeros auxiliares: “Fábio, corre pra cá. Apareceu um moleque na várzea aqui em São Paulo que você não pode perder. O moleque é fera e a peneira é no sábado de manhã”.

Sedento por mais uma sentença de morte, Fábio chegou em São Paulo às pressas, nem passou em casa e foi direto pro campinho de várzea. Confiando em seu auxiliar, manipulou a situação de modo que a decisão de aprovar ou vetar os meninos naquela manhã fosse sua.

“É aquele ali”, apontou o auxiliar. “Dizem que perto dele o Djalminha seria um cabeça de bagre”. Fábio fixou o olhar no jovem camisa 10 e naquele instante alienou-se de tudo ao seu redor. Em transe, ignorou os auxiliares e os demais jogadores e fitou incansavelmente aquele meia esquerda: que classe, que visão, que personalidade, que capacidade de decisão. Estava diante do maior jogador que já vira em 25 anos como olheiro.

Terminada a partida, Fábio estava visivelmente perturbado. “Está aqui a ficha dele, acaba com ele”, lhe disse o responsável pela peneira. “Preciso de cinco minutos”, respondeu Fábio. Consternado, dirigiu-se ao vestiário, ligou o chuveiro e enfiou a cabeça embaixo da água gelada. Naqueles longos três minutos, sua vida toda lhe passou pela cabeça: os primeiros chutes, os títulos, o pai sacaneando o vizinho, as peneiras malditas, a cirurgia, a vida de olheiro, o casamento, os dois filhos, o falecimento do pai.

Voltou ao campo compenetrado, pediu a ficha e, convicto, vetou o meia esquerda: “firulento e muito fraco fisicamente. Não tem potencial”.

Ao deixar o campo, encontrou a mulher e os dois filhos no estacionamento. Eufórico e ainda vestindo a dez, Leozinho se virou ao pai e disse:

- “Você viu o jogo, pai? Todo mundo disse que eu arrebentei, acho que consegui uma vaga aqui no Corinthians, vou ser profissional”.
- “Vamos ver, Leozinho. Vamos ver”.

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