<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, julho 02, 2010

Dr. Jeckyll e Mr. Hyde 

O jogo era difícil antes de começar, ficou surpreendentemente fácil ao final do primeiro tempo e tornou-se impossível no segundo tempo, talvez por não termos sabido gerenciar a esperada pressão no início e, principalmente, pelo inimaginável descontrole que se seguiu ao primeiro gol laranja.

O Brasil entrou bem postado, compacto, criativo e não é exagero dizer que poderia ter marcado três vezes e liquidado a fatura. No segundo tempo demonstrou um destempero emocional inaceitável para uma equipe tão experiente (arrisco que nem três titulares chagarão a 2014), materializado na tragédia anunciada do bipolar Felipe Melo. Justiça seja feita, pode-se dizer que Felipe Melo foi o único jogador presente nos quatro lances capitais da partida, mas não que tenha decidido o jogo. No máximo, sepultou a recuperação. O Brasil já tinha voltado atordoado para o segundo tempo e o lance do primeiro gol holandês foi uma infelicidade de Julio César. Jogos parelhos são decididos nos detalhes.

Se contra o Chile a vitória foi construída nos pontos fortes da era Dunga, hoje a derrota veio justamente na bola aérea (terceira eliminação seguida do Brasil em lances de bola parada) e em falha do melhor goleiro do mundo. O time entrou em pane, o contra-ataque não encaixou e sequer conseguimos chegar na base do abafa. A Holanda mostrou-se equilibrada, não se abalou com o mau primeiro tempo e tampouco recuou excessivamente após virar o placar. Poderia, inclusive, ter saído com uma vitória mais elástica, em lances no final do jogo que mais pareciam casados x solteiros em churrasco.

Sempre acreditei que atravessávamos uma entressafra onde os poucos medalhões tinham problema de postura (Ronaldinho e Adriano) e os jovens talentos não foram testados a tempo. Dentro deste cenário, o Brasil montou uma seleção competitiva e comprometida, que está hoje entre as quatro melhores do mundo, mesmo que o chaveamento da Copa não permita que isso ocorra na prática.

Avaliando os jogadores, a defesa dispensa comentários (Lúcio e Juan falharam quando todo o time já tinha entrado em parafuso), Michel Bastos não reviveu Zé Carlos-98 e os volantes fizeram até mais do que deles se esperava. Elano e Dani Alves são opostos no que diz respeito a render mais pelo time ou pela seleção, a contusão do ex-santista foi uma perda significativa. Ninguém questiona o talento de Dani Alves, mas definitivamente seu estilo não é compatível com o esquema de Dunga. Prende excessivamente a bola e abusa do individualismo, matando assim a saída rápida e a troca de passes em velocidade.

Kaká é um caso à parte. Seu mundial não foi um fiasco, mas eu esperava que crescesse dentro da competição a ponto de ser decisivo, o que não ocorreu. Seu quadro clínico definirá se estará presente em 2014. Robinho tem lampejos geniais, mas não é um fora de série. O erro de muitos é esperar dele um novo Garrincha. Luis Fabiano, por fim, é um jogador esforçado e decisivo, mas é duro substituir Careca, Romário e Ronaldo, mestres do fundamento que diferencia o Brasil dos demais.

Dunga teve méritos em recuperar o espírito competitivo e a dignidade, além de montar um esquema letal que explorava a potencialidade de seus parcos talentos. Seus deméritos são a baixíssima inteligência emocional (que certamente contagia a equipe, pilhada em campo), a ausência de alternativas táticas, o imediatismo e algumas falhas na convocação, principalmente para o meio de campo. Ao seguir à risca o princípio da gratidão (vide Júlio Batista), montou um grupo que não lhe oferecia opções de qualidade quando precisava alterar a situação do jogo. Em tempo, acho uma perda de tempo discutir se a concentração deve ser oba-oba ou clausura, não acho que isso em si defina o resultado. Não defendo que Dunga deva permanecer, mas também não acho que tenha feito um papelão como fizemos em 66, 90 e, em menor escala, em 2006.

Em retrospectiva, o Brasil foi levemente melhor que 2006 (com um elenco muito pior), em especial na postura diante da derrota. Não senti hoje a vergonha de 1º de julho de 2006. Também discordo de quem vê neste time o estilo de 94. Basta ver os gols do Brasil para constatar que apresentamos um futebol melhor do que nos Estados Unidos.

Olhando pra frente, temos uma janela de renovação, pois o que fizemos de 2006 para cá foi substituir jogadores com problema de comportamento por outros mais esforçados e unidos, mas este time é até mais velho que o de quatro anos atrás. São poucas as opções para substituir Dunga, não acho que devamos inovar no banco e em campo ao mesmo tempo e desta forma Felipão me parece ser a melhor alternativa, resta saber se o gaúcho está disposto. Historicamente as seleções são compostas por jogadores que se surgiram entre quatro e oito anos antes da copa, basta ver que agora tivemos em campo a geração que emergiu em 2002. Dito isso, chegou a hora de Thiago Silva, Ramires, Ganso, Neymar, Philippe Coutinho, Pato e companhia. Não temos eliminatórias, já somos favoritos e ninguém quer reviver o Maracanazo.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?